Publicado em 30/12/2020

Nova Lei de Recuperação e Falências introduz importantes alterações na legislação tributária

Com o objetivo de alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais em casos de insolvência transnacional, dentre outros aspectos relevantes, em 24/12/2020, foi publicada a Lei nº 14.112/2020, que altera a Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 11.101/2005), bem como a legislação tributária federal aplicável a empresários e empresas em recuperação judicial.

O presente Alert trata, especificamente, das alterações na legislação tributária. Em suma, a nova lei permitiu o parcelamento dos tributos incidentes sobre ganhos de capital de pessoas jurídicas com alienação de bens durante o processo de recuperação, instituiu diferentes modalidades de parcelamentos para empresários e empresas em recuperação (que, se descumpridos, podem até ensejar pedido de falência pela Fazenda Nacional), bem como transação tributária específica para estes. Infelizmente, importantes dispositivos do projeto de lei N. 4458/2020 que alteravam da legislação tributária, com vistas a aperfeiçoar o instituto da recuperação e proporcionar maior probabilidade de recuperação da empresa, com sua preservação, foram vetados.

A nova lei produzirá efeitos 30 dias após sua publicação oficial (24/12/2020), ou seja, em 23/01/2021.

Em breve, os temas objeto da nova lei serão objeto de regulamentação, que deverá esclarecer e detalhar a forma de sua aplicação.

I. Moratória dos tributos da pessoa jurídica sobre ganho de capital

A Lei nº 14.112/2020 autoriza a moratória da tributação sobre o ganho de capital decorrente da alienação de bens ou direitos pelas pessoas jurídicas em recuperação judicial, possibilitando o parcelamento, com atualização monetária, do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidentes.

Referido parcelamento da tributação deverá observar as regras de parcelamento objeto da Lei nº 10.522/2002 e utilizar, como prazo limite, a mediana de alongamento do plano de recuperação judicial em relação aos créditos a ele sujeitos, devendo tal limite ser readequado na hipótese de alteração superveniente do plano.

Trata-se de importante novidade, eis que permite a quitação dos tributos sobre ganhos de capital auferidos na venda de bens em parcelas e em prazo alongado, o que pode ser melhor acomodado no fluxo de caixa do devedor.

II. Parcelamentos

A Lei nº 14.112/2020 também alterou as regras e condições de parcelamentos, de débitos tributários e não-tributários junto à Fazenda Nacional, para empresas ou empresários que pleitearem ou tiverem deferido o processamento da recuperação judicial, instituindo as modalidades comentadas abaixo.

II.A. Modalidades e respectivas características

Modalidade de parcelamento Condições comuns Condições específicas
Até 120 prestações (débitos inscritos ou não em dívida ativa, constituídos ou não, ainda que não vencidos) (i) é necessário firmar termo de compromisso, no qual estará previsto:

(i.1) o fornecimento à RFB e à PGFN de informações bancárias, inclusive aplicações, e eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros;

(i.2) o dever de amortizar o saldo devedor do parcelamento com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial (percentual esse que não pode exceder 30% do produto da alienação, correspondendo à razão entre o valor total do passivo fiscal e das dívidas da recuperanda, na data do pedido de recuperação judicial);

(i.3) manter a regularidade fiscal; e

(i.4) o cumprimento regular das obrigações relativas ao FGTS.

(ii) a adesão abrangerá a totalidade dos débitos exigíveis em nome do sujeito passivo; os débitos sujeitos a outros parcelamentos, ou que comprovadamente sejam objeto de discussão judicial poderão ser excluídos, estes últimos mediante:

(ii.1) o oferecimento de garantia idônea e suficiente, aceita pela Fazenda Nacional em juízo (garantia essa que não poderá ser incluída no plano de recuperação judicial, sendo permitida sua execução regular, inclusive por meio de expropriação, regra aplicável a depósitos judiciais federais); ou

(ii.2) a apresentação de decisão judicial em vigor e eficaz que determine a suspensão de sua exigibilidade.

(iii) caso haja a opção pela inclusão, no parcelamento, de débitos que se encontrem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não a causa legal de suspensão de exigibilidade, é necessário comprovar a desistência expressa e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial e, cumulativamente, a renúncia às alegações de direito sobre as quais se fundam a ação judicial e o recurso administrativo;

(iv) microempresas e as empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas;

(v) o devedor pode desistir de outros tipos de parcelamentos em curso e migrar o saldo devedor para uma das novas modalidades de parcelamento destinado para empresas em recuperação judicial;

(vi) o devedor apenas pode ter um parcelamento desta natureza. A concessão do parcelamento não libera bens dados ou constituídos em garantia do devedor ou responsáveis;

(vii) é facultado ao devedor optar por outro parcelamento especial instituído por lei federal, desde que firme o termo de compromisso comentado no item (i) acima, sob pena de indeferimento ou exclusão;

(viii) as modalidades de parcelamento aplicam-se a débitos de autarquias e fundações públicas federais, no que couber.

(i) os seguintes percentuais mínimos devem ser aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

(i.1) da 1ª à 12ª prestação: 0,5%;

(i.2) da 13ª à 24ª prestação: 0,6%;

(i.3) 25ª prestação em diante: percentual deve corresponder ao saldo remanescente, em até 96 prestações.

Até 84 prestações (débitos não inscritos em dívida ativa e administrados pela Receita Federal do Brasil, constituídos ou não, ainda que não vencidos) (i) liquidação de até 30% da dívida consolidada no parcelamento com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL ou com outros créditos próprios relativos a tributos administrados pela RFB, hipótese em que o restante poderá ser parcelado em até 84 parcelas, observando os seguintes percentuais mínimos a serem aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

(i.1) da 1ª à 12ª prestação: 0,5%,

(i.2) da 13ª à 24ª prestação: 0,6%;

(i.3) 25ª prestação em diante: deve corresponder ao saldo remanescente, em até 60 prestações.

(ii) o valor do crédito decorrente de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL será determinado por meio da aplicação das seguintes alíquotas:

(ii.1) 25% sobre o montante do prejuízo fiscal;

(ii.2) 20% sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das pessoas jurídicas de seguros privados, das pessoas jurídicas de capitalização e das pessoas jurídicas referidas nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e X do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001;

(ii.3) 17% sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das pessoas jurídicas referidas no inciso IX do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001;

(ii.4) 9% sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das demais pessoas jurídicas.

Até 24 prestações (débitos inscritos ou não inscritos em dívida ativa, relativos a tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação, ou relativos a IOF retido e não recolhido) (i) os seguintes percentuais mínimos devem ser aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

(i.1) da 1ª à 6ª prestação: 3%;

(i.2) da 7ª à 12ª prestação: 6%;

(i.3) 13ª prestação em diante: percentual deve corresponder ao saldo remanescente, em até 12 prestações mensais e sucessivas.

II.B. Hipóteses de Exclusão

Em qualquer modalidade, a exclusão do parcelamento ocorre nas seguintes hipóteses:

  • a falta de pagamento de 6 parcelas consecutivas ou de 9 parcelas alternadas;
  • a falta de pagamento de 1 até 5 parcelas, conforme o caso, se todas as demais estiverem pagas;
  • constatação, pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil ou pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, de qualquer ato tendente ao esvaziamento patrimonial do sujeito passivo como forma de fraudar o cumprimento do parcelamento;
  • a decretação de falência ou extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica optante;
  • a concessão de medida cautelar fiscal;
  • a declaração de inaptidão da inscrição no CNPJ;
  • a extinção sem resolução do mérito, ou a não concessão da recuperação judicial, bem como a convolação desta em falência; ou
  • o descumprimento de quaisquer das condições aplicáveis às modalidades de parcelamento previstas para recuperandas.

II.C. Consequências da Exclusão

A exclusão do parcelamento desencadeia as seguintes consequências:

  • a exigibilidade imediata da totalidade do débito confessado e ainda não pago, com o prosseguimento das execuções fiscais relacionadas aos créditos cuja exigibilidade estava suspensa, inclusive com a possibilidade de prática de atos de constrição e de alienação pelos juízos que as processam;
  • a execução automática das garantias;
  • o restabelecimento e cobrança dos valores liquidados com os créditos fiscais, na hipótese de parcelamento na modalidade de até 84 prestações, com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa e outros créditos; e
  • a faculdade de a Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

III. Transação

Empresas ou empresários com processamento do pedido de recuperação judicial já deferido, alternativamente, poderão submeter, à PGFN, proposta de transação de créditos inscritos em dívida ativa da União nos termos da Lei nº 13.988/2020, abrangendo também créditos de autarquias e fundações públicas federais.  A proposta de transação pode ser apresentada pelo devedor após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo de manifestação dos credores quanto à objeção ao plano de recuperação judicial, sem objeção de credores, observando a modalidade comentada abaixo.  A apresentação da proposta de transação suspenderá o andamento das execuções fiscais, salvo oposição justificada por parte da PGFN, a ser apreciada pelo juízo competente.

A Lei nº 14.112/2020 permite a concessão de prazo para quitação da dívida transacionada em até 120 meses, podendo este prazo ser estendido por mais 12 meses quando constatado que o devedor em recuperação judicial desenvolve projetos sociais nos termos da regulamentação da transação tributária.  Trata-se de importante inovação no tema, eis que a legislação estabelecia este prazo máximo em até 84 meses apenas.  O prazo de até 145 meses para a transação que envolva pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte continua aplicável.

O limite máximo para reduções será de até 70%, aumentando este limite para devedores em recuperação, que até então podiam se beneficiar de reduções limitadas a 50%.

Dentre os princípios gerais de transação tributária, também aplicáveis para devedor em recuperação, a nova lei indica como princípios a serem observados na transação o porte da empresa e a quantidade de vínculos empregatícios por ela mantidos, bem como a proporção do passivo fiscal diante das demais dívidas.

A cópia integral dos autos do processo administrativo de análise da proposta de transação, ainda que esta tenha sido rejeitada, será encaminhada ao juízo da recuperação judicial.

O devedor em recuperação também deverá assumir os seguintes compromissos adicionais:

  • fornecer à PGFN informações bancárias e empresariais, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros;
  • manter regularidade fiscal perante a União e junto ao FGTS, mantendo o certificado de regularidade respectivo deste último;
  • demonstrar a ausência de prejuízo decorrente do cumprimento das obrigações contraídas com a celebração da transação em caso de alienação ou de oneração de bens ou direitos integrantes do respectivo ativo não circulante.

A rescisão da transação, por inadimplemento, ocorre nas seguintes hipóteses: falta de pagamento de 6 parcelas consecutivas ou de 9 parcelas alternadas; ou falta de pagamento de 1 até 5 parcelas, conforme o caso, se todas as demais estiverem pagas.

A lei faculta aos Estados, Municípios e Distrito Federal aplicarem, mediante edição de lei específica por iniciativa própria, a nova transação tributária para créditos de sua titularidade.

IV. Créditos extraconcursais

A Lei nº 14.112/2020 também classificou, como créditos extraconcursais, os tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência. Vale destacar que, a nova redação conferida ao inciso III do art. 83 da Lei Federal nº 11.101/2005 por meio da nova Lei, manteve os créditos tributários na mesma ordem de preferência anterior existente na classificação dos créditos na falência, mas incluiu, no mesmo inciso, os créditos extraconcursais como exceção, além das multas tributárias que já eram excepcionadas.

V. Vetos

Dispositivos importantes que estavam previstos originalmente no Projeto de Lei nº 4458/2020 (que resultou na edição da Lei nº 14.112/2020), foram vetados. Especificamente no âmbito tributário, os seguintes dispositivos não se tornaram lei:

  • 6º-B da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, acrescido pelo art. 2º do Projeto de Lei nº 4458/2020: referido dispositivo previa a possibilidade de abatimento, do ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos das recuperandas, de prejuízos fiscais e base de cálculo da CSLL de forma ilimitada (sem a trava de 30%);
  • 50-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, acrescido pelo art. 2º do Projeto de Lei nº 4458/2020: nas hipóteses de renegociação de dívidas das empresas no âmbito de processo de recuperação judicial, estando as dívidas sujeitas ou não ao referido processo, e, para fins de reconhecimento de efeitos em demonstrações financeiras, referido dispositivo previa (i) a não tributação do PIS e da COFINS sobre a receita obtiva pelo devedor com o desconto alcançado na renegociação; (ii) a possibilidade de compensar o ganho obtivo pelo devedor na redução da dívida com prejuízos fiscais de forma ilimitada (sem a trava de 30%) na apuração do IRPJ e da CSLL; (iii) autorização para deduzir as despesas das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

Por fim, nos termos do art. 66, §4º da Constituição Federal, os vetos presidenciais deverão ser apreciados/revistos pelo Congresso Nacional, em até 30 dias contados do seu recebimento, e só poderão ser rejeitados pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.

Ficamos à disposição para assessorar V. Sas. na compreensão e aplicação destas novas medidas.