Publicado em 14/04/2023 - Notícia

Publicada portaria para prevenção de disseminação de conteúdos ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais

No dia 12 de abril de 2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou a Portaria no 351/2023 (“Portaria”) que trata das medidas administrativas que visam à prevenção da disseminação de conteúdos ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais.

A Portaria é fruto de discussões recentes sobre a necessidade de regulação das plataformas digitais para combater fake news, desinformação e discurso de ódio na internet. Parte dos debates decorre também da definição da responsabilidade das plataformas digitais determinada pelo Marco Civil da Internet (Lei no 12.965/2014 – “MCI”).

Qual é o entendimento jurídico atual sobre conteúdos de terceiros?

Segundo o artigo 19 do MCI os provedores de aplicações (como as plataformas digitais) somente são responsáveis por conteúdos de terceiros se descumprirem uma ordem judicial que especificamente determine a remoção destes. A constitucionalidade desse artigo atualmente é debatida no Supremo Tribunal Federal (“STF”), que recentemente realizou uma audiência pública sobre o assunto, com participação de diversos players do mercado.

Sem prejuízo, o artigo 19 do MCI ainda está em vigor e as plataformas digitais permanecem como intermediadoras de conteúdos, sem responsabilidade direta pelas publicações terceiros.

Como a Portaria interage com o MCI?

A Portaria reconhece a limitação imposta pelo MCI, mas indica que haveria uma interpretação sistemática dessa normativa junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (“ECA”) e a Constituição Federal, de forma que não seria possível eximir plataformas de redes sociais “da responsabilidade e da obrigação de prevenir a disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos, em relação aos quais se espera que sejam adotadas medidas de cuidado razoáveis e proporcionais.”

Ainda, é importante ressaltar que não existe uma definição na Portaria sobre o que se deve considerar como “plataformas de redes sociais”.

Qual o conteúdo da Portaria?

A Portaria considerou que as plataformas de redes sociais não seriam simples exibidoras de conteúdo. Elas seriam entendidas como “mediadoras do conteúdo exibidos para cada um dos seus usuários, definindo o que será exibido, o que pode ser moderado, o alcance das publicações, a recomendação de conteúdos e contas”. Portanto, as plataformas de redes sociais não seriam vistas como “agentes neutros em relação aos conteúdos que nela transitam”.

As plataformas de redes sociais são caracterizadas como fornecedoras de serviços, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) e, portanto, devem garantir a “segurança dos serviços prestados ao consumidor”. A Portaria considerou ainda as cláusulas nulas de pleno direito “que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade dos fornecedores por vícios de qualquer natureza, as que estabeleça obrigações iníquas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Em vista do exposto, a Portaria impõe à Secretaria Nacional do Consumidor (“SENACON”) e à Secretaria Nacional de Segurança Pública (“SENASP”) uma série de atribuições visando a fiscalização e estruturação de um sistema para a proteção de menores de idade.

SENACON – FISCALIZAÇÃO E INVESTIGAÇÃO

O SENACON poderá instaurar processo administrativo para apuração e responsabilização das plataformas de rede social.

Relatórios descritivos. A SENACON poderá solicitar às plataformas de redes sociais, relatórios que descrevam as medidas adotadas para monitorar, limitar e restringir os conteúdos potencialmente ilícitos, danosos e nocivos, que incentivem ataques contra ambiente escolar ou façam apologia e incitação a crimes. Poderão solicitar ainda as medidas proativas tomadas para limitar a propagação desses conteúdos, o atendimento das requisições pelas autoridades competentes, o desenvolvimento de protocolos para situações de crise e outras medidas cabíveis.

Avaliação e Mitigação de riscos sistêmicos. A Portaria prevê que caberá à SENACON requisitar às plataformas de redes sociais a avaliação e adoção de medidas de mitigação aos riscos sistêmicos decorrentes do funcionamento dos seus serviços e sistemas, incluindo os sistemas algorítmicos. Ou seja, elas deverão analisar quais os efeitos negativos, reais ou previsíveis da propagação de conteúdos ilícitos, como por exemplo, o risco de acesso de menores de idades a conteúdos inadequados à idade ou o risco de propagação de conteúdos considerados violentos ou que façam apologia ao crime.

Na avaliação acima, a SENACON deverá requisitar relatório que considere o impacto dos seguintes fatores no risco sistêmico: “a concepção dos sistemas de recomendação e de qualquer outro sistema algorítmico pertinente; sistemas de moderação de conteúdos; os termos e políticas de uso aplicáveis e a sua aplicação consistente; e a influência da manipulação maliciosa e intencional no serviço, incluindo a utilização inautêntica ou da exploração automatizada do serviço, bem como a amplificação e difusão potencial.”

SENASP – COORDENAÇÃO E EFETIVIDADE

Coordenação no escopo do Projeto Escola Segura. Caberá à SENASP “coordenar o compartilhamento, entre as plataformas de redes sociais e as autoridades competentes, dos dados que permitem identificar os usuários ou o terminal da conexão com a Internet daquele que disponibilizou o conteúdo”. O escopo de atuação do SENASP na Portaria parece restrito à Operação Escola Segura, que foi criada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para monitorar casos suspeitos de ataques a instituições de ensino, apologia ao ódio e à violência.

Geração de usuários e Banco de Dados. A SENASP poderá requerer a adoção de medidas que uniformizem o atendimento das autoridades competentes, bem como orientar as plataformas a impedir a criação de novos perfis a partir dos endereços de protocolo de internet (endereço IP) em que já foram identificadas atividades ilegais, danosas e perigosa. Por fim, a SENASP deverá criar um banco de dados com conteúdo ilegal (como imagens, links e outros conteúdos ilegais, que poderão conter um hash exclusivo ou outros recursos que auxiliem a identificação do conteúdo) para compartilhar com as plataformas de redes sociais para facilitar a identificação pelos sistemas automatizados, bem como orientá-las a usar como parâmetro a indisponibilidade ou remoção de conteúdos idênticos.

Indicação de responsável. As plataformas de rede social deverão indicar um representante responsável pela comunicação direta com o governo federal e estadual (inclusive por meio eletrônico), apto a tomar decisões para mitigar situações de crise.

A Portaria prevê que, em caso de violação dos seus dispositivos, caberá sanções que serão apuradas no âmbito de procedimento administrativo ou judicial, de acordo com as atribuições das autoridades competentes.

Nossa equipe de Proteção de Dados e Tecnologia acompanhará os desdobramentos do tema e permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos.