Publicado em 30/11/2020

Senado aprova projeto que altera a Lei de Recuperação e Falências

Em 25/11/2020, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 4.458/2020, que altera a Lei de Recuperação e Falência (Lei Federal n. 11.101/2005).

As alterações têm por objetivo conferir maior segurança jurídica aos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência,  e alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais em casos de insolvência transnacional, segundo parecer do senador relator Rodrigo Pacheco.

Embora a versão oficial do texto final ainda não esteja disponível, com base nas discussões legislativas é possível identificar que o Projeto deve incluir na Lei questões decididas pelos tribunais ao longo dos últimos quinze anos, como a recuperação judicial de produtores rurais, as regras para consolidação por mais de um devedor, entre outros.

Além disso, o Projeto deve inovar ao regular a concessão de financiamento ao devedor (DIP financing), a insolvência transnacional, a conciliação e mediação na recuperação judicial, ao prever medidas para maior celeridade nos processos de falência e ao admitir a realização de assembleia geral de credores e alienação de bens por meios eletrônicos.

Indicamos abaixo as principais alterações:

  • Financiamento (DIP financing) – O Projeto trata com detalhes do financiamento concedido ao devedor durante a recuperação judicial, prevendo que o juiz poderá autorizá-lo, inclusive com garantias prestadas pelo devedor ou por terceiros, e que eventual reforma dessa decisão em recurso, após o desembolso pelo financiador, não afetará a natureza extraconcursal e as garantias do crédito.
  • Alienação de ativos – o Projeto modifica quatro pontos essenciais da Lei: (i) o objeto da alienação pode abranger a venda integral da devedora ou a venda parcial de bens, direitos, ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios, (ii) passam a ser admitidas alienações mediante processo competitivo promovido por agente especializado, ou mediante qualquer outra modalidade aprovada nos termos da lei, (iii) a previsão de ausência de sucessão do adquirente passa a cobrir de forma expressa obrigações de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, e (iv) a alienação não prevista no plano de recuperação judicial de bens do ativo não circulante do devedor passa a se submeter a procedimento específico de impugnação e deliberação por credores em assembleia a ser convocada, desde que atendidas determinadas condições (como a prestação da caução equivalente ao valor total da alienação).
  • Insolvência transnacional – o Projeto inova ao prever regras nos moldes da Lei Modelo sobre Insolvência Transnacional aprovada pela UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional) proporcionando mecanismos de cooperação internacional, em linha com a regulamentação dos Estados Unidos da América (Chapter XV do Bankruptcy Code) e de outros países.
  • Plano alternativo dos credores – os credores passam a ter a prerrogativa de apresentar um plano de recuperação judicial alternativo, em determinadas circunstâncias (como a rejeição ou ausência de deliberação do plano apresentado pelo devedor no prazo legal, entre outros).
  • Proibição de distribuição de lucros e dividendos – Até a aprovação do plano de recuperação judicial, é vedado ao devedor distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas.
  • Consolidação – Pedidos de recuperação judicial formulados em conjunto por mais de um devedor passam a ter tratamento expresso, sendo admitida a apresentação de planos autônomos (consolidação processual) ou de plano unitário (consolidação substancial), respeitadas determinadas condições. O Projeto prevê ainda que o juiz poderá autorizar a consolidação substancial, o que vinha sendo objeto de controvérsia na jurisprudência.
  • Produtor rural – o produtor rural pessoa física poderá comprovar que exerce a atividade há mais de dois anos apresentado livro caixa e declaração de imposto de renda (DIRPF). Caso o montante total dos créditos sujeitos não exceda R$ 4,8 milhões, o produtor rural poderá se valer do procedimento especial aplicável a microempresas e empresas de pequeno porte já estabelecido na Lei, que prevê essencialmente pagamento em trinta e seis parcelas mensais, com prazo máximo de cento e oitenta dias de carência contado da data do pedido de recuperação judicial.
  • Cooperativa médica – o Projeto passa a permitir que a cooperativa médica operadora de plano de assistência à saúde possa se valer dos mecanismos da Lei.
  • Conciliação e mediação – são incentivadas a conciliação e a mediação, tanto antes como durante o processo de recuperação judicial. Em regra, tais métodos não suspendem os prazos legais, salvo se houver consenso ou ordem judicial em sentido contrário.
  • Proteção de bens de capital – é do juízo da recuperação judicial a competência para decidir sobre a suspensão de atos de constrição por credores extraconcursais sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade do devedor
  • Falência – o Projeto estabelece diversas alterações no processo de falência, tendo por objetivo conferir maior celeridade para a venda de ativos, pagamento de credores, reabilitação do falido, preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial.
  • Administrador judicial – as prerrogativas e atribuições do administrador judicial foram alteradas, com destaque para a obrigação de manter endereço eletrônico com informações atualizadas e principais cópias do processo, além da obrigação de vender todos os bens da massa falida no prazo máximo de cento e oitenta dias da arrecadação, sob pena de destituição.
  • Créditos trabalhistas – o Projeto prevê a suspensão de execuções trabalhistas promovidas contra responsável subsidiário ou solidário ao devedor em recuperação judicial até a homologação do plano ou convolação em falência. Além disso, o prazo máximo de um ano para pagamento de credores trabalhistas sujeitos à recuperação judicial é flexibilizado para admitir a extensão por até dois anos, caso aprovado pela maioria dos credores e caso apresentadas garantias do pagamento da integralidade dos créditos julgadas suficientes pelo juiz. Créditos trabalhistas se tornam passíveis de ajuste em recuperação extrajudicial, cf. detalhado abaixo.
  • Stay period – a proteção ao devedor decorrente da suspensão de ações judiciais e atos constritivos de seu patrimônio pelo prazo de cento e oitenta dias passa a ser prorrogável por igual período, uma única vez pelo juiz. Após tal prazo, os credores passam a ter a opção de apresentar plano alternativo (como descrito acima), que ocasiona nova suspensão por cento e oitenta dias, ou retomar as ações e atos constritivos contra o devedor.
  • Encerramento da recuperação judicial – o juiz poderá determinar o encerramento da recuperação judicial até no máximo dois anos contados da sua concessão, independentemente do eventual período de carência, o que vai de encontro ao entendimento jurisprudencial que vinha se formando na égide da lei atualmente em vigor.
  • Recuperação extrajudicial – o Projeto altera pontos relevantes buscando fomentar o uso da recuperação extrajudicial, incluindo (i) a suspensão de ações e atos constritivos exclusivamente em relação às espécies de crédito abrangidas pelo plano, desde que comprovado que o pedido conta com apoio de 1/3 dos credores, (ii) a possibilidade de sujeição de créditos trabalhistas, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional, (iii) redução do quórum de homologação, para fins de vinculação de toda a classe, dos atuais 3/5 para mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano.

O Projeto deve seguir para sanção presidencial nos próximos dias.