Publicado em 24/10/2019

Medida Provisória nº 899/2019 introduz a transação tributária no Brasil

Em 16/10, foi publicada a Medida Provisória nº 899/2019, que regulamentou a transação resolutiva de litígio prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional, a qual poderá ser celebrada pela União Federal sempre que entender que tal mecanismo atende o interesse público.

De acordo com a referida Medida Provisória, poderão ser objeto de transação: (i) os créditos tributários não judicializados sob a administração da Receita Federal do Brasil; (ii) os créditos em cobrança pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN); (iii) a dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais; e (iv) os créditos em cobrança pela Procuradoria-Geral da União.

Três modalidades de transação foram estabelecidas, quais sejam: (a) transação na cobrança da dívida ativa; (b) transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica; e (c) transação no contencioso administrativo tributário de baixo valor.

Para adesão às modalidades (a) e (b), o devedor não poderá cumular as reduções obtidas na transação com quaisquer outras asseguradas na legislação.

Os agentes públicos que participarem do processo de composição do conflito, judicial ou extrajudicialmente, somente serão responsabilizados civil, administrativa ou penalmente, quando agirem com dolo ou fraude para obter vantagem indevida para si ou para outrem.

I. Transação na cobrança da dívida ativa

A Medida Provisória estabelece a possibilidade de a transação ser proposta por iniciativa da PGFN, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral da União e também do devedor, podendo dispor sobre a concessão de descontos em créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação pela autoridade fazendária, desde que não haja indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento e que não estejam relacionados a créditos do SIMPLES Nacional e de FGTS.

Nessa modalidade, poderão ser estabelecidas medidas relativas (i) a prazos e formas de pagamento, desde que observado o limite de quitação em até 84 meses, contados da data da formalização da transação; (ii) a descontos, desde que não estejam relacionados ao valor principal do crédito, multas qualificadas ou decorrentes de fraudes fiscais e desde que a redução não ultrapasse 50% do valor total dos créditos; e (iii) ao oferecimento, substituição ou alienação de garantias e de constrições.

Nos casos de pessoa física, microempresas ou empresas de pequeno porte, os prazos para pagamento e os descontos serão maiores, sendo limitados a 100 meses e a redução de até 70% do valor total dos créditos.

A mera proposta de transação não suspenderá a exigibilidade dos créditos e o andamento de execuções fiscais, o que será possível apenas com eventual convenção processual entre as partes, especificamente celebrada para este fim.

I.A. Compromissos mínimos do devedor

A proposta de transação será condicionada à assunção de alguns compromissos mínimos pelos devedores, quais sejam:

(i) não utilização da transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, falsear ou prejudicar de qualquer forma a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;
(ii) não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública Federal;
(iii) não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em decorrência de lei; e
(iv) renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, incluídas as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito.

I.B. Aceitação da transação e efeitos

A aceitação da proposta será materializada por meio de assinatura do termo de transação pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou por autoridade por ele delegada, quando a proposta for de iniciativa do devedor, e por este último, quando realizada por uma das autoridades anteriormente mencionadas.

Após sua aceitação, a transação constituirá confissão irretratável e irrevogável dos créditos por ela abrangidos e, caso envolva moratória ou parcelamento, os créditos terão exigibilidade suspensa e estes somente serão extintos após integralmente cumpridas as condições transacionadas.

A aceitação da proposta de transação não implicará a novação dos créditos por ela abrangidos.

I.C. Rescisão da transação e possibilidade de o Fisco pleitear a falência do devedor

A rescisão da transação ocorre nas seguintes hipóteses: (i) descumprimento das condições, das cláusulas ou dos compromissos assumidos; (ii) a constatação, pelo credor, de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente à sua celebração; (iii) a decretação de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente; ou (iv) a ocorrência de alguma das hipóteses rescisórias adicionalmente previstas no respectivo termo de transação.

O devedor será notificado sobre a ocorrência de uma das hipóteses de rescisão e terá a possibilidade de apresentar impugnação no prazo de 30 dias. Neste mesmo prazo, o devedor poderá regularizar o vício que ensejaria a rescisão, hipótese na qual será preservada a transação em todos os seus termos.

Esgotado o prazo para apresentação de impugnação ou julgada improcedente a impugnação apresentada pelo devedor, serão afastados os benefícios concedidos e será retomada a cobrança integral das dívidas com dedução dos valores pagos, além de autorizar a Fazenda Pública a requerer, no caso de o devedor estar em recuperação judicial, a sua convolação em falência ou a ajuizar pedido de falência, conforme o caso.

I.D. Regulamentação por Ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional

A Medida Provisória nº 899/2019 prevê que, antes da celebração da transação, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional deve emitir um ato para disciplinar: os procedimentos necessários à sua aplicação; a possibilidade de condicionar a transação ao pagamento de entrada, apresentação de garantia e manutenção das já existentes; as situações em que a transação somente poderá ser celebrada por adesão, autorizado o não-conhecimento de eventuais propostas de transação individual; o formato e os requisitos de proposta de transação e os documentos que deverão ser apresentados; e os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos.

II. Transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica

A Medida Provisória nº 899/2019 também prevê que o Ministro da Economia poderá propor transações sobre controvérsias jurídicas relevantes e disseminadas, que deverão ser divulgadas na imprensa oficial, mediante edital.

Referido edital especificará, de maneira objetiva, as hipóteses fáticas e jurídicas nas quais a Fazenda Nacional propõe a transação no contencioso tributário, sendo aberta à adesão de todos os sujeitos passivos que nelas se enquadrem e satisfaçam às condições previstas na Medida Provisória e no edital. Além disso, o edital definirá as condições a serem cumpridas pelas partes, bem como reduções e concessões, observando o limite de quitação em até 84 parcelas.

Não poderão ser objeto da transação os créditos relativos ao SIMPLES Nacional, ao FGTS, às controvérsias decididas de forma integralmente desfavorável à Fazenda Nacional, e às controvérsias decididas de forma integralmente favorável à Fazenda Nacional em recurso repetitivo, súmula vinculante, controle concentrado de constitucionalidade, controle difuso de constitucionalidade, com suspensão da norma pelo Senado ou recurso em repercussão geral.

Os devedores somente poderão aderir à transação caso constatada a existência, na data da publicação do edital, de ação judicial, embargos à execução fiscal ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo, relativamente à tese objeto da transação.

Na solicitação de adesão a esta modalidade de transação, será suspensa a tramitação dos processos administrativos referentes aos créditos tributários envolvidos. Todavia, não suspenderá a cobrança dos créditos tributários definitivamente constituídos.

As propostas de transação e eventuais adesões pelo devedor não poderão ser invocadas como fundamento jurídico ou prognose de sucesso da tese sustentada por qualquer das partes.

II.A. Compromissos do devedor

A Medida Provisória prevê expressamente que não serão autorizadas a restituição ou a compensação de valores provenientes de opções realizadas anteriormente à transação objeto deste.

No momento de adesão à transação prevista em edital, o devedor deverá observar o prazo para adesão; eventual limitação de sua abrangência, além de incluir todos os litígios relacionados à tese objeto da transação, existentes na data do pedido, ainda que não definitivamente julgados, e cumprir os seguintes requisitos:

(i) requerer a homologação judicial do acordo;
(ii) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e
(iii) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos.

II.B. Deferimento do pedido de adesão

O deferimento da solicitação importará aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas na Medida Provisória e em sua posterior regulamentação, constituindo confissão irrevogável e irretratável dos créditos abrangidos pela transação.

Após o deferimento da transação, esta será formalizada por meio eletrônico, com assinatura do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil.

Será indeferida a adesão que não importe em extinção do litígio administrativo ou judicial, ressalvada as hipóteses em que fique comprovada a cindibilidade do objeto.

II.C. Rescisão da transação

A Medida Provisória prevê ainda a possibilidade de rescisão das transações nos casos em que (i) contrarie decisão judicial definitiva prolatada antes da celebração da transação; (ii) for comprovada a existência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva na sua formação; (iii) ocorrer dolo, fraude, simulação, erro essencial quanto à pessoa ou quanto ao objeto do conflito; ou (iv) for constatada a inobservância de quaisquer disposições da Medida Provisória ou do Edital.

A rescisão implicará o afastamento dos benefícios concedidos e a cobrança integral das dívidas, deduzidos os valores já pagos, sem prejuízo de outras consequências a serem previstas no edital.

II.D. Regulamentação por Ato do Ministro de Estado da Economia

O Ministro da Economia deverá editar Ato para disciplinar o procedimento de adesão à transação e demais regulamentações necessárias à sua aplicação, podendo, inclusive, condicionar a transação à observância das normas orçamentárias e financeiras.

A Medida Provisória prevê a possibilidade de a proposta de transação envolver valores superiores aos fixados em ato do Ministro da Economia. No entanto, dependerá de prévia e expressa autorização ministerial, ou de autoridade delegada.