Publicado em 09/04/2020

Covid-19 | Patrimônio Rural em Afetação

Como forma de segregação de riscos, o proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, passou a contar com a possibilidade de submeter o seu imóvel rural (ou fração dele) ao regime rural de afetação, destinado a prestar garantias a credores por meio da emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) ou garantias em operações financeiras contratadas com instituições financeiras por meio de Cédula Imobiliária Rural (CIR). Destacamos as seguintes principais características do instituto:

(i) o terreno, as acessões e as benfeitorias nele fixadas poderão constituir o patrimônio rural em afetação, sendo vedado, no entanto, a sua constituição sobre: (a) as lavouras, os bens móveis e os semoventes do imóvel rural; (b) imóvel já gravado por hipoteca, alienação fiduciária de coisa imóvel ou outro ônus real ou determinados registros e averbações gravados em sua matrícula; (c) pequena propriedade rural; (d) área de tamanho inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, o que for menor; ou (e) bem de família.

(ii) desde que vinculado a CIR ou a CPR, o patrimônio rural em afetação constituído: (a) não poderá ser utilizado como garantia para qualquer outra obrigação distinta daquela a qual está vinculado; (b) é impenhorável e não poderá ser objeto de constrição judicial; (c) não é atingido pelos efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial; e (d) não integra a massa concursal. Destaca-se que a segregação do patrimônio rural em afetação não se aplica às obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural.

Estrangeiros e pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros e a possibilidade de constituição de garantia real de imóveis rurais e recebimento de imóveis rurais para liquidação de transações

Por meio de alterações importantes a dispositivos específicos das Leis 5.709/1971 e 6.634/1979, a Lei 13.986/2020 trouxe maior segurança jurídica ao agronegócio, possibilitando:

(i) a constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira; e

(ii) utilização de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional em que pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras detenham a maioria do seu capital social, por meio de realização de garantia real (inclusive a consolidação da propriedade fiduciária), de dação em pagamento ou de qualquer outra forma.

Tais inovações buscam trazer fim à insegurança jurídica relacionada à consolidação de propriedade rural em favor de estrangeiro, permitindo, expressamente, que credores estrangeiros recebam imóvel rural por meio de dação em pagamento e tornem-se proprietários de imóveis rurais (inclusive aqueles localizados na faixa de fronteira brasileira).

Cédula de Produto Rural (CPR) e Cédula de Produtor Rural Financeira (CPRF)

As CPRs, títulos de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas, regulados pela Lei 8.929/1994, sofreram diversas alterações decorrentes da promulgação da Lei 13.986/2020, dentre as quais destacamos as seguintes:

(i) os produtos obtidos nas atividades agrícola, pecuária, de floresta plantada, de pesca, de aquicultura e atividades relacionadas à conservação de florestas nativas, dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, podem agora ser objeto de CPR.

(ii) o rol de legitimados à emissão de CPR também foi ampliado, passando a compreender o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, inclusive aquela com objeto social que compreenda em caráter não exclusivo a produção rural, a cooperativa agropecuária e a associação de produtores rurais que tenha por objeto a produção, a comercialização e a industrialização dos produtos rurais.

(iii) a CPR poderá ser emitida de forma cartular ou escritural, por meio de lançamento em sistema eletrônico de escrituração a ser gerido por entidade autorizada pelo Banco Central podendo ser negociada, desde que registrada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central a exercer a atividade de registro acima mencionada.

(iv) a CPRF poderá ser emitida com cláusula de variação cambial, a ser utilizada no resgate do título, cuja regulamentação será de competência do Conselho Monetário Nacional.

(v) será possível garantir a CPR por meio de alienação fiduciária dos produtos agropecuários e de seus subprodutos, sejam bens presentes ou futuros, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou não, cuja titularidade pertença ao fiduciante, devedor ou terceiro garantidor.

Cédula Imobiliária Rural (CIR)

A Lei 13.986/2020 instituiu a CIR, título de crédito representativo de: (a) promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade; e (b) obrigação de entregar, em favor do credor, bem imóvel rural, ou fração deste, vinculado ao patrimônio rural em afetação, e que seja garantia da operação, nas hipóteses em que não houver o pagamento até a data do vencimento. Seguem abaixo as principais características deste novo título de crédito:

(i) são legitimados a emitir a CIR, o proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, que houver constituído patrimônio rural em afetação.

(ii) sua emissão pode ser feita sob a forma cartular ou escritural (neste último caso, mediante lançamento em sistema de escrituração autorizado a funcionar pelo Banco Central).

(iii) a CIR será garantida por parte ou por todo o patrimônio rural em afetação, podendo também ser garantida por terceiros, inclusive por instituição financeira ou por seguradora.

(iv) aplicam-se à CIR, as normas de direito cambial, ressalvado que o endosso deverá ser completo e o endossante responderá somente pela existência da obrigação.

Títulos do Agronegócio

Além das modificações elencadas acima, a Lei 13.986/2020 também trouxe expressivas alterações à Lei 11.076/2004, dentre as quais destacamos as seguintes:

(i) os títulos do agronegócio, o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e o Warrant Agropecuário (WA), poderão ser emitidos sob a forma cartular ou escritural (neste último caso, mediante lançamento em sistema de escrituração autorizado a funcionar pelo Banco Central).

(ii) certos títulos de crédito – Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) – poderão ser emitidos com cláusula de correção pela variação cambial desde que integralmente vinculados a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda. No caso do CDCA, há também a condição de ser emitido em favor de investidor não residente ou companhia securitizadora de direitos creditórios do agronegócio, para o fim exclusivo de vinculação a CRA com cláusula equivalente.

Os títulos de crédito agora poderão ser emitidos em favor de investidor não residente.