Publicado em 26/08/2025

Câmara dos Deputados aprova projeto sobre proteção de crianças em ambientes digitais

Na semana passada, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2628/2022 (“PL 2628/2022”), que estabelece regras para a proteção de crianças e adolescentes em ambiente digital. Essa normativa pode afetar todas as empresas que mantêm ou são responsáveis por plataformas direcionadas ou de acesso provável por menores de 18 anos (como aplicativos e lojas de aplicativo, lojas virtuais, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador) e a sua violação poderá implicar penalidades severas (de multas à suspensão das atividades da empresa).

O PL 2628/2022 agora volta para o Senado Federal para revisão dos pontos alterados e votação.

 

1. O PL 2628/2022 já foi aprovado no Congresso?

O PL 2628/2022 foi originalmente apresentado no Senado Federal em outubro de 2022, sendo que a sua análise inicial levou aproximadamente dois anos.

O curso dessa normativa na Câmara dos Deputados foi abruptamente encurtado, uma vez que foi declarado regime de urgência na sua tramitação. Muito provavelmente isso esteja relacionado com um vídeo publicado em agosto de 2025 por um influenciador brasileiro que questionou o uso de redes sociais e plataformas digitais para a exploração da imagem de crianças e adolescentes. O vídeo, que atualmente conta com mais de 48 milhões de visualizações, gerou forte repercussão entre a população brasileira e impulsionou um clamor popular pela proteção de menores em ambientes digitais, em especial nas redes sociais.

É importante ressaltar que o PL 2628/2022 sofreu muitas alterações na Câmara dos Deputados. Logo, esse retorna ao Senado para que suas alterações sejam avaliadas e votadas. É importante lembrar que se aprovado, essa lei irá afetar em parte a tese de repercussão geral do STF (para mais informações clique aqui)

 

2. Principais disposições da redação do PL 2628/2022 aprovada pela Câmara dos Deputados

  • A quem o PL 2628/2022 seria aplicável?

O PL 2628/2022 será aplicável a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado ou de acesso provável por menores de 18 anos no Brasil, independentemente de sua localização, desenvolvimento, fabricação, oferta, comercialização e operação. Destaca-se que a proposta estabelece expressamente sua aplicação também aos jogos eletrônicos e às lojas de aplicações de internet.

Notamos que “acesso provável” é um termo definido na proposta legal. Trata-se de uma situação em que estejam presentes: (i) suficiente probabilidade de uso e atratividade do produto ou serviço; (ii) considerável facilidade de acesso e utilização do produto ou serviço; e (iii) significativo grau de risco à privacidade, segurança ou desenvolvimento biopsicossocial, especialmente para produtos ou serviços que permitem interação social e compartilhamento de informações em larga escala entre usuários em ambiente digital.

  • O que o PL 2628/2022 fala sobre loot boxes?

 Esse é um dos pontos que mudou drasticamente na Câmara dos Deputados. As loot boxes passaram de proibidas para reguladas. O texto aprovado define “caixa de recompensa” (loot boxes), como: “funcionalidade disponível em certos jogos eletrônicos que permite a aquisição, mediante pagamento, pelo jogador, de itens virtuais consumíveis ou vantagens aleatórias, resgatáveis pelo jogador ou usuário, sem conhecimento prévio de seu conteúdo ou garantia de sua efetiva utilidade”.

A exploração de loot boxes em jogos direcionados ou de acesso provável por menores de 18 anos passa a ser regulada. Os requisitos são:

  1. Garantia de benefício: toda loot box deve oferecer pelo menos um item virtual ou vantagem, sendo proibidas caixas vazias.
  2. Transparência: as probabilidades de obtenção de cada item devem ser informadas de forma clara, acessível, precisa e ostensiva antes da aquisição.
  3. Proibição de comercialização: é vedada a venda, troca ou conversão dos itens obtidos por meio da loot box em moeda, crédito ou vantagens externas ao jogo (cash-out).
  4. Equilíbrio competitivo: não poderá haver concessão de vantagens competitivas significativas ou desproporcionais exclusivamente aos jogadores pagantes. O PL 2.628/2022, inclusive, define expressamente o que deve ser entendido por “vantagens competitivas desproporcionais”.
  5. Prevenção de uso excessivo: devem ser adotadas medidas técnicas e administrativas para prevenir o uso compulsivo ou excessivo das loot boxes, tais como limites de compra, alertas e supervisão parental.
  • O que o PL 2628/2022 fala sobre mecanismos de verificação de idade?

De modo geral, o PL 2628/2022 estabelece que as plataformas devem adotar mecanismos capazes de proporcionar experiências adequadas à idade dos usuários. Mais especificamente, a proposta obriga as plataformas que disponibilizam conteúdo, produto ou serviço impróprio para menores de 18 anos, a adotar medidas eficazes para impedir o acesso por crianças e adolescentes. Além disso, os provedores de lojas de aplicativos de internet deverão adotar medidas proporcionais, auditáveis e tecnicamente seguras para aferir a idade ou a faixa etária dos usuários.

Embora o texto não especifique quais mecanismos de verificação serão aceitos, determina expressamente que devem ser confiáveis, vedando-se, portanto, o uso da simples autodeclaração. Nesse contexto, o poder público poderá atuar como regulador, certificador ou promotor de soluções técnicas voltadas à verificação de idade.

  • O que o PL 2628/2022 fala sobre controle parental?

O PL 2628/2022 estabelece um conjunto de regras relativas aos mecanismos de controle parental, determinando inclusive a obrigatoriedade de sua adoção pelas plataformas abrangidas pela lei.

A proposta também define configurações padrão mínimas que devem estar presentes nas ferramentas de supervisão parental, incluindo, entre outras: (i) restrição de comunicação com usuários não autorizados; (ii) limitação de recursos que incentivem uso excessivo; e (iii) controle sobre sistemas de recomendação personalizados.

Além disso, o PL 2628/2022 ainda prevê que as ferramentas de supervisão parental devem possibilitar aos pais e responsáveis legais: (i) visualizar, configurar e gerenciar opções de conta e privacidade, (ii) restringir compras, (iii) identificar perfis de adultos com quem a criança ou o adolescente se comunica, (iv) monitorar o tempo de uso, (v) ativar ou desativar salvaguardas por meio de controles acessíveis e adequados, e (vi) dispor de informações e opções de controle em língua portuguesa.

Ainda, importante destacar que o PL 2628/2022 determina que usuários ou contas de menores de até 16 anos de idade devem estar vinculados ao usuário ou à conta de um de seus responsáveis legais.

  • Como poderá ser feita a publicidade em meio digital?

Fica proibida a utilização de técnicas de perfilamento para direcionar publicidade comercial a menores de 18 anos, bem como o uso de recursos de análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.

Além disso, a proposta também veda a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem menores de 18 anos de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto.

  • As plataformas devem retirar conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes?

As plataformas abrangidas deverão disponibilizar aos usuários mecanismos de notificação, públicos e de fácil acesso, para reportar violações aos direitos de menores de 18 anos.

A notificação deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação técnica específica do conteúdo apontado como violador dos direitos de menores de 18 anos e do autor da notificação, sendo vedadas denúncias anônimas.

Em linha com a tese de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, os fornecedores ficam obrigados a remover conteúdos que violem direitos de menores de 18 anos assim que notificados por vítimas, seus representantes, o Ministério Público ou entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, independentemente de ordem judicial.

No entanto, o procedimento de retirada de conteúdo deverá observar o direito à ampla defesa do usuário responsável pela publicação. Para tanto, as plataformas deverão: (i) notificar o usuário acerca da remoção de seu conteúdo; (ii) apresentar os fundamentos da decisão, informando, inclusive, se a identificação decorreu de análise humana ou automatizada; (iii) garantir ao usuário a possibilidade de recorrer da medida, por meio de procedimento de fácil acesso; e (iv) estabelecer prazos claros tanto para a apresentação do recurso quanto para a resposta a ele.

  • As plataformas precisarão publicar relatórios?

Sim. O PL 2628/2022 estabelece que os provedores de aplicações de internet direcionadas ou de acesso provável menores de 18 anos, que possuam mais de 1.000.000 (um milhão) de usuários nessa faixa etária registrados, deverão elaborar relatórios semestrais, em língua portuguesa, a serem publicados em seus sites oficiais.

Os relatórios semanais deverão conter as seguintes informações:

  1. Denúncias: quantidade de denúncias recebidas.
  2. Moderação: número de conteúdos ou contas moderadas, por tipo.
  3. Identificação: medidas para detectar contas infantis e atos ilícitos.
  4. Proteção de dados: melhorias técnicas para resguardar privacidade de menores de 18 anos.
  5. Consentimento parental: aprimoramentos técnicos para aferir consentimento dos responsáveis, em conformidade com a legislação de proteção de dados pessoais.
  6. Avaliação de riscos: métodos e resultados das avaliações de impacto, identificação e gestão de riscos à segurança e saúde de menores de 18 anos.
  • Há obrigação de manter representante legal no Brasil?

Ainda em linha com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o PL 2628/2022 estabelece que as empresas abrangidas pelo seu texto devem manter um representante legal no País com poderes para receber, entre outros, citações, intimações ou notificações, em quaisquer ações judiciais e procedimentos administrativos, bem como responder perante órgãos e autoridades do Poder Executivo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, e assumir, em nome da empresa estrangeira, suas responsabilidades perante os órgãos e as entidades da administração pública.

  • Quem será responsável pela aplicação do PL 2628/2022?

O PL 2628/2022 prevê a criação de uma “autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital”. Esta autoridade deverá ser instituída por lei e terá como atribuições principais zelar pela aplicação do PL, fiscalizar seu cumprimento e editar regulamentos e procedimentos necessários para sua execução.

Ressalta-se, entretanto, que o texto aprovado não detalha a estrutura organizacional, o funcionamento ou os recursos dessa autoridade, deixando tais aspectos a serem definidos em legislação subsequente.

  • Quais são as sanções previstas para o descumprimento da proposta?

Em caso de descumprimento das obrigações, os infratores estão sujeitos às seguintes penalidades:

  1. Advertência, com prazo de até 30 dias para medidas corretivas.
  2. Multa simples, de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último exercício, ou de R$ 10,00 a R$ 1.000,00 por usuário cadastrado, limitada a R$ 50.000.000,00 por infração.
  3. Suspensão temporária das atividades.
  4. Proibição de exercício das atividades.

A aplicação das sanções levará em conta a gravidade da infração, reincidência, capacidade econômica do infrator e o impacto sobre a coletividade. As multas e advertências serão aplicadas pela nova autoridade administrativa autônoma de proteção, enquanto a suspensão e proibição caberão ao Poder Judiciário, com a Anatel sendo responsável por encaminhar as ordens de bloqueio.

 

3. Quais são os próximos passos?

  • Nova Votação no Senado: Uma vez que o texto foi alterado na Câmara dos Deputados, ele retorna ao Senado Federal para uma nova rodada de votação antes de seguir para sanção presidencial.
  • Regulamentação pelo Poder Executivo: Após a eventual aprovação e sanção, o Poder Executivo será responsável por regulamentar diversos aspectos da lei, definindo critérios objetivos para a aferição do grau de interferência dos fornecedores, detalhes das exigências e padrões mínimos para mecanismos de supervisão parental e verificação de idade. Ressalta-se que referida regulamentação não poderá impor vigilância massiva ou comprometer direitos fundamentais como liberdade de expressão e privacidade.
  • Grupo de Trabalho: Temas importantes e complexos que não foram totalmente aprofundados pelas emendas (como novas tipificações penais ou aprimoramentos do ECA) poderão ser transferidos para um grupo de trabalho para discussão e proposição de medidas adicionais de proteção.

 

Nossa equipe de Direito Digital está acompanhando de perto a regulamentação do PL 2628/2022 e estamos à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.