Foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 2628/2022 (“PL 2628/2022”), que estabelece regras para a proteção de crianças e adolescentes em ambiente digital. Essa normativa afeta todas as empresas que mantêm ou são responsáveis por plataformas direcionadas ou de acesso provável por menores de 18 anos (como aplicativos e lojas de aplicativo, lojas virtuais, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador) e a sua violação poderá implicar penalidades severas (de multas à suspensão das atividades da empresa). A votação contou com o apoio maciço dos partidos brasileiros, com poucas oposições. O texto segue para sanção presidencial.
Preparamos, abaixo, um resumo do projeto de lei e dos seus impactos para o mercado de games.
1. A quem o PL 2628/2022 é aplicável?
Aos fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados ou de acesso provável por menores de 18 anos. Isso se aplica a empresas brasileiras e estrangeiras que efetuam o desenvolvimento, fabricação, oferta, comercialização e a operação desses produtos. Destaca-se que a proposta estabelece expressamente sua aplicação também aos jogos eletrônicos e às lojas de aplicações de internet.
Notamos que “acesso provável” é um termo definido na proposta legal. Trata-se de uma situação em que estejam presentes: (i) suficiente probabilidade de uso e atratividade do produto ou serviço; (ii) considerável facilidade de acesso e utilização do produto ou serviço; e (iii) significativo grau de risco à privacidade, segurança ou desenvolvimento biopsicossocial, especialmente para produtos ou serviços que permitem interação social e compartilhamento de informações em larga escala entre usuários em ambiente digital.
2. O que você precisa saber de imediato sobre o PL 2628/2022?
Se sancionada pelo Presidente da República, a nova lei entrará em vigor um ano após a sua publicação. Sendo assim, nenhuma medida é de aplicação imediata.
A proposta tem impactos operacionais relevantes em produtos e serviços das empresas reguladas. Destacamos, abaixo, resumidamente, os principais pontos:
3. Como foi o trâmite do PL 2628/2022 no Congresso?
Foi declarada a tramitação de urgência desse projeto de lei. Em grande parte, isso se deu em vista de um vídeo publicado em agosto de 2025 por um influenciador brasileiro que questionou o uso de redes sociais e plataformas digitais para a exploração da imagem de crianças e adolescentes. O vídeo, que atualmente conta com mais de 48 milhões de visualizações, gerou forte repercussão entre a população brasileira e impulsionou um clamor popular pela proteção de menores em ambientes digitais, em especial nas redes sociais.
O texto agora segue para sanção presidencial. O Presidente tem 15 dias úteis para sancionar a proposta de lei, podendo vetar qualquer dispositivo.
4. Principais disposições da redação do PL 2628/2022 aprovada pela Câmara dos Deputados
Esse é um dos pontos que foi muito debatido no Congresso. A Câmara dos Deputados votou por regular o mecanismo, mas o Senado rejeitou a proposta e retomou a proibição de loot boxes para menores de 18 anos.
Logo, as loot boxes foram proibidas para jogos eletrônicos direcionados ou que possam ser utilizados por menores de 18 anos, nos termos da respectiva classificação indicativa. Ou seja, se o jogo tem uma classificação indicativa para menores de 18 anos, não pode ter loot box.
De modo geral, o PL 2628/2022 estabelece que as plataformas devem adotar mecanismos capazes de proporcionar experiências adequadas à idade dos usuários. Mais especificamente, a proposta obriga as plataformas que disponibilizam conteúdo, produto ou serviço impróprio para menores de 18 anos, a adotar medidas eficazes para impedir o acesso por menores de 18 anos. Além disso, os provedores de lojas de aplicativos de internet deverão adotar medidas proporcionais, auditáveis e tecnicamente seguras para aferir a idade ou a faixa etária dos usuários.
Embora o texto não especifique quais mecanismos de verificação serão aceitos, determina expressamente que devem ser confiáveis, vedando-se, portanto, o uso da simples autodeclaração. Nesse contexto, o poder público poderá atuar como regulador, certificador ou promotor de soluções técnicas voltadas à verificação de idade.
O PL 2628/2022 estabelece um conjunto de regras relativas aos mecanismos de controle parental, determinando inclusive a obrigatoriedade de sua adoção pelas plataformas abrangidas pela lei.
A proposta também define configurações padrão mínimas que devem estar presentes nas ferramentas de supervisão parental, incluindo, entre outras: (i) restrição de comunicação com usuários não autorizados; (ii) limitação de recursos que incentivem uso excessivo; e (iii) controle sobre sistemas de recomendação personalizados.
Além disso, o PL 2628/2022 ainda prevê que as ferramentas de supervisão parental devem possibilitar aos pais e responsáveis legais: (i) visualizar, configurar e gerenciar opções de conta e privacidade, (ii) restringir compras, (iii) identificar perfis de adultos com quem a criança ou o adolescente se comunica, (iv) monitorar o tempo de uso, (v) ativar ou desativar salvaguardas por meio de controles acessíveis e adequados, e (vi) dispor de informações e opções de controle em língua portuguesa.
Ainda, importante destacar que o PL 2628/2022 determina que usuários ou contas de menores de até 16 anos de idade devem estar vinculados ao usuário ou à conta de um de seus responsáveis legais.
Por fim, na ausência de usuário ou conta dos responsáveis legais, os provedores deverão vedar a possibilidade de alteração das configurações de supervisão parental da conta para um nível menor de proteção.
Fica proibida a utilização de técnicas de perfilamento para direcionar publicidade comercial a menores de 18 anos, bem como o uso de recursos de análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.
Além disso, a proposta também veda a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem menores de 18 anos de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto.
As plataformas abrangidas deverão disponibilizar aos usuários mecanismos de notificação, públicos e de fácil acesso, para reportar violações aos direitos de menores de 18 anos.
A notificação deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação técnica específica do conteúdo apontado como violador dos direitos de menores de 18 anos e do autor da notificação, sendo vedadas denúncias anônimas.
Em linha com a tese de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, os fornecedores ficam obrigados a remover conteúdos que violem direitos de menores de 18 anos assim que notificados por vítimas, seus representantes, o Ministério Público ou entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, independentemente de ordem judicial.
No entanto, o procedimento de retirada de conteúdo deverá observar o direito à ampla defesa do usuário responsável pela publicação. Para tanto, as plataformas deverão: (i) notificar o usuário acerca da remoção de seu conteúdo; (ii) apresentar os fundamentos da decisão, informando, inclusive, se a identificação decorreu de análise humana ou automatizada; (iii) garantir ao usuário a possibilidade de recorrer da medida, por meio de procedimento de fácil acesso; e (iv) estabelecer prazos claros tanto para a apresentação do recurso quanto para a resposta a ele.
Sim. O PL 2628/2022 estabelece que os provedores de aplicações de internet direcionadas ou de acesso provável menores de 18 anos, que possuam mais de 1.000.000 (um milhão) de usuários nessa faixa etária registrados, deverão elaborar relatórios semestrais, em língua portuguesa, a serem publicados em seus sites oficiais.
Os relatórios deverão conter as seguintes informações:
Ainda em linha com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o PL 2628/2022 estabelece que as empresas abrangidas pelo seu texto devem manter um representante legal no País com poderes para receber, entre outros, citações, intimações ou notificações, em quaisquer ações judiciais e procedimentos administrativos, bem como responder perante órgãos e autoridades do Poder Executivo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, e assumir, em nome da empresa estrangeira, suas responsabilidades perante os órgãos e as entidades da administração pública.
O PL 2628/2022 prevê a criação de uma “autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital”. Esta autoridade deverá ser instituída por lei e terá como atribuições principais zelar pela aplicação do PL, fiscalizar seu cumprimento e editar regulamentos e procedimentos necessários para sua execução.
Ressalta-se, entretanto, que o texto aprovado não detalha a estrutura organizacional, o funcionamento ou os recursos dessa autoridade, deixando tais aspectos a serem definidos em legislação subsequente.
Em caso de descumprimento das obrigações, os infratores estão sujeitos às seguintes penalidades:
A aplicação das sanções levará em conta a gravidade da infração, reincidência, capacidade econômica do infrator e o impacto sobre a coletividade. As multas e advertências serão aplicadas pela nova autoridade administrativa autônoma de proteção, enquanto a suspensão e proibição caberão ao Poder Judiciário, com a Anatel sendo responsável por encaminhar as ordens de bloqueio.
Sanção presidencial: Uma vez que o texto foi aprovado pelo Senado Federal, ele será encaminhado para sanção presidencial.
Regulamentação pelo Poder Executivo: Após a eventual sanção, o Poder Executivo será responsável por regulamentar diversos aspectos da lei, definindo critérios objetivos para a aferição do grau de interferência dos fornecedores, detalhes das exigências e padrões mínimos para mecanismos de supervisão parental e verificação de idade. Ressalta-se que referida regulamentação não poderá impor vigilância massiva ou comprometer direitos fundamentais como liberdade de expressão e privacidade.
Grupo de Trabalho: Temas importantes e complexos que não foram totalmente aprofundados pelas emendas (como novas tipificações penais ou aprimoramentos do ECA) poderão ser transferidos para um grupo de trabalho para discussão e proposição de medidas adicionais de proteção.
Nossa equipe de Direito Digital está acompanhando de perto a regulamentação do PL 2628/2022 e estamos à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.