Publicado em 16/08/2018 - Notícia

Veto à agência fiscalizadora na lei de dados é polêmico

Valor Econômico

Aplaudida por diversos setores da economia do país, a nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais mantém o debate aceso, apesar de já ter sido sancionada por Michel Temer na terça-feira. O veto do presidente à criação imediata da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais opõe especialistas. Enquanto uma corrente não vê problema em que esse órgão seja criado numa segunda etapa, por meio de um projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, a outra receia que possa haver atrasos e modificações importantes em relação à proposta inicial.

Sob o nº 13.709, a Lei foi publicada ontem no “Diário Oficial da União”. Ela altera o Marco Civil da Internet, que foi regulamentado pela Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Temer explicou que foi necessário vetar a criação da agência porque havia um “vício formal”. Isso porque o projeto partiu do Congresso, que não poderia propor a criação de uma agência, tarefa que cabe ao Executivo.

“Independentemente da maneira como será criada, por ato legislativo ou executivo, a autoridade é fundamental”, afirmou em nota o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade.

A importância do assunto também se mede em cifras. Produtos e serviços de segurança da informação deverão atingir gastos globais superiores a US$ 114 bilhões em 2018, uma alta de 12,4% em relação ao ano passado. Para 2019, a estimativa é que cresça mais 8,7%, para US$ 124 bilhões. Os dados fazem parte de estudo liberado ontem na Austrália pelo Gartner.

A proteção de dados pessoais vem sendo discutida no Brasil há quase dez anos. O tema teve destaque na consulta pública sobre o Marco Civil da Internet, em 2009. Mas o assunto foi excluído do texto final – considerou-se que merecia uma lei própria, segundo Leonardo Palhares, presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) e sócio do escritório Almeida Advogados.

Agora a preocupação do presidente da camara-e.net recai sobre a ambição do Brasil de conquistar uma cadeira na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Uma das exigências do “clube dos ricos”, como é conhecida a organização, é que o país que apresenta sua candidatura tenha uma lei de proteção de dados definida e com um órgão específico que se responsabilize pelo assunto.

Ao sancionar a lei, o presidente Temer afirmou que enviaria “logo” ao Congresso um projeto de lei para criação do órgão fiscalizador. Especialistas ouvidos pelo Valor na terça-feira opinaram que não seria necessário a criação imediata da agência, porque a lei só vai vigorar em 2020. Mas Palhares e outras entidades discordam. “Dezoito meses é um prazo muito curto para aculturar toda a sociedade. A Autoridade Nacional terá como responsabilidade a administração de tudo, é quase tão importante quanto a própria lei; sua ausência provoca incerteza jurídica”, disse ele. “Aprovada a lei, não é momento de relaxar.”

Apesar da promessa de Temer, Palhares não se mostra confiante na brevidade. Ainda se discute a pasta à qual a agência estará vinculada e o seu custeio. Para ele, a agência poderia começar com pouca gente e recursos mínimos.

A camara-e.net tem como papel principal auxiliar o desenvolvimento do mercado digital. Tem cem associados, desde gigantes globais como Facebook e Google, até empresas locais como os Correios, além do BNDES e Sebrae, que apoia os pequenos negócios.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o veto à agência pode também modificar a estrutura de composição da autoridade fiscalizadora, originalmente pensada em um conselho diretor de três membros, apoiada por uma comissão de caráter multissetorial.

Para a advogada Vanessa Lerner, do escritório Dias Carneiro Advogados, o governo deixou claro os motivos do veto e sua intenção de elaborar o projeto ou medida provisória. Mas destacou em artigo que a agência era o ente regulador e fiscalizador dos operadores e controladores. Sua remoção, completou, tem o potencial de desequilibrar as relações instituídas e gerar dificuldades em relação ao cumprimento e fiscalização da lei.