Publicado em 24/08/2018 - Notícia

Mudanças nas ofertas feitas pela CVM darão mais segurança, dizem especialistas

Arena do Pavini

A Instrução CVM 601, que aperfeiçoa o as ofertas públicas, divulgada ontem pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai aumentar a segurança para os investidores e complicar um pouco mais a vida dos bancos organizadores e empresas, avaliam advogados especialistas em mercados de capitais. A instrução muda duas outras, a 476, que regula a oferta com esforços restritos, quando o papel é destinado a investidores qualificados apenas e com menos exigências, e a 400, de ofertas registradas em geral, que podem ir para o varejo. As instruções regulam as ofertas públicas de ações, debêntures, Certificados de Recebíveis e qualquer outro ativo mobiliário.

Mais segurança nas informações do emissor

O ponto mais importante para o investidor foi a exigência de que as empresas que vão fazer ofertas públicas restritas, pela 476, tenham os balanços dos últimos três anos auditados por um auditor independente, afirma Renata Simon, sócia do escritório Cândido Martins Advogados. Antes, a empresa emissora era obrigada a ter balanços auditados apenas depois de fazer a oferta. “Agora o investidor vai ter a segurança de investir em um papel emitido por uma companhia com um balanço auditado por um terceiro, o que aumenta a confiabilidade dos números divulgados”, explica Renata.

Algumas empresas também usavam a 476 para fazer emissões que, na verdade, eram empréstimos disfarçados feitos por bancos na forma de compra de debêntures ou outros papéis. “Como elas terão de apresentar balanços auditados, o custo de fazer essas emissões será maior e as que não auditam os balanços podem optar por pegar o empréstimo normal”, explica. Já para as que já têm balanço auditado, a situação não muda.

A norma tem exceções, observa Paulo Leme, sócio do escritório Dias Carneiro Advogados. É o caso de empresas recém-constituídas. “Era mais rápido sair para o mercado, mas agora a CVM subiu um pouco a barra, e só quem já tiver demostração auditada por auditor independente vai emitir”, diz. Para ele, a mudança é boa pois mostra que a CVM está preocupada em dar segurança ao investidor. “Mas isso acaba dificultando um pouco, traz um custo adicional para uma oferta direcionada para um investidor que já era profissional, não de varejo”, acredita. “Mas o emissor vai ter de se preparar melhor para uma oferta pela 476”, diz.

Mudança no lote suplementar limitará espaço de manobra nas ofertas

A nova norma trouxe também uma mudança importante na questão do lote suplementar, uma espécie de limite que a empresa pode vender além do previsto inicialmente nas ofertas. Hoje, além do oferecido na oferta oficial, a empresa pode fazer mais duas ofertas extras, uma chamada de lote adicional, de até 20% do valor inicial da oferta, e outro, suplementar, também chamado de “green shoe”, de 15%. “Ou seja, hoje a empresa e o banco emissor podem aumentar a oferta em até 35%”, explica Renata Simon. Essa regra vale tanto para as ofertas restritas, da 476, quanto para as de varejo, da 400. Acontece que, pela nova 601, o lote suplementar, ou “green shoe”, só poderá ser usado para o trabalho de estabilização de preços das ações depois da oferta. “Ou seja, ele não poderá ser simplesmente vendido para um investidor que queira ficar com o papel”, afirma Renata.

Ofertas extras caem de 35% para 20%

A estabilização de preços normalmente é feita por um banco participante da oferta, autorizado pela CVM, para evitar que as cotações disparem ou despenquem nos 30 dias depois que a ação ou título entrou no mercado. Com essa restrição, na prática, a CVM limitou os lotes extras ao lote adicional, de 20%, reduzindo a margem de manobra das empresas. “O mercado não gostou porque não esperava que a mudança pegasse também as ofertas da Instrução 400, de varejo”, diz. Segundo Renata, a CVM se prontificou a analisar a queixa do mercado, mas a advogada lembra que a CVM já tinha esse entendimento limitando o lote suplementar nas decisões tomadas pelo Colegiado antes.

Preço dos papéis poderá subir ou ofertas poderão ser maiores

Com menor espaço para aumentar a oferta em caso de maior procura, a saída dos organizadores e empresas será ajustar o preço dos papéis da oferta para cima ou oferecer um valor inicial maior. “Mas será um desafio para o mercado, pois será preciso avaliar e quantificar melhor as ofertas, pois oferecer uma quantidade muito grande e depois sobrar papel não é bom”, diz Renata. Mas ela lembra que o entendimento da CVM é semelhante ao do mercado americano, que limita o lote suplementar à atividade de estabilização de preços.

Já Paulo Leme, do Dias Carneiro, diz que a vinculação já era esperada pelo mercado, mas havia a expectativa de que seria criado um atenuante. “O mercado pedia que lote suplementar fosse liberado para venda quando houvesse garantia firme do banco emissor”, diz Leme. Por exemplo, quando uma empresa emite uma debênture e o banco dá garantia firme de ficar com R$ 100 milhões. “O banco encarteira os R$ 100 milhões, fica com os papéis, mas se no meio da oferta aparecerem outros compradores, houver uma procura maior, a empresa não pode colocar mais 35%, só 20%”, explica. Isso pode mexer com as garantias firmes dos bancos nas ofertas.

Fim da proibição de negociar por 90 dias deve incentivar ofertas firmes

Em compensação, a nova medida agradou o mercado ao acabar com a proibição dos bancos de terem de ficar 90 dias com os papéis no caso de darem garantia firme para a operação. “Quando o banco emissor ficava com parte da oferta, ele era obrigado a ficar com os papéis por 90 dias, o que acabava desestimulando algumas instituições a dar essa garantia”, diz Renata Simon. Alguns chegavam a pedir outras vantagens para a empresa emissora em troca dessa limitação, como exclusividade na negociação dos papéis depois da oferta.”O banco dava garantia firme e, se não houvesse demanda, encarteirava os papéis, mas como tinha de ficar 90 dias com o papel, precificava isso”, diz Paulo Leme. “Agora eles poderão vender os papéis antes e isso pode estimular as ofertas firmes”, acrescenta Renata.

Prazo mínimo de 4 meses entre ofertas barra “drible” na Instrução 400

A norma também estabeleceu um limite de quatro meses para um mesmo emissor fazer uma nova oferta do mesmo papel, destaca Renata. A novidade é que a medida valerá mesmo para ofertas que forem canceladas. “A CVM já tinha esse entendimento, mas agora virou norma, o que criou algumas reclamações do mercado, pois as empresas reclamam que se o mercado fica ruim, a janela fecha e depois reabre dois meses depois, quem cancelou não pode aproveitar”, explica Renata. Para ela, a decisão da CVM tem por objetivo impedir empresas que estavam usando a Instrução 476, que limita o número de investidores a 75 por oferta, usarem a oferta simplificada para atingir um número muito maior de compradores. “Algumas empresas faziam várias ofertas e iam de 75 em 75 investidores fazendo uma oferta que na prática seria de varejo, pela 400”, explica. O problema é que a restrição vai prejudicar também quem cancelar a operação por motivos justos.

Banco emissor não poderá ser trocado

Outra decisão polêmica é a que proíbe a troca do banco emissor durante a oferta, afirma Renata. Hoje, a empresa emissora pode trocar a instituição responsável. “Mas, para a CVM, os bancos são os guardiões das regras da Instrução 476 e precisam estar ao lado da oferta o tempo todo, do começo ao fim”, diz a advogada. É uma forma de a CVM ter segurança de que as regras serão respeitadas e punir quem descumprir as normas. “Mas em compensação a empresa não poderá trocar o banco organizador mesmo que não esteja gostando do trabalho dele”, observa Renata.

Para ela, a nova instrução não deve dificultar as ofertas. “Talvez apenas algumas empresas que usavam as ofertas da 476 para fazer empréstimos em bancos disfarçados e não têm balanço auditado passem a fazer o empréstimo direto”, diz. “Mas, para as que já têm auditoria, não muda muito”, explica.

Já Paulo Leme acredita que um dos principais impactos será o da demonstração financeira, que levará algumas empresas a desistir das ofertas. “Depois, tem o fim dos 90 dias, da restrição de vendas, que vai ajudar e incentivar os bancos a dar mais garantia firme sem ficar preso no papel”, diz. “Talvez isso reflita na remuneração do banco”, afirma.