Publicado em 22/04/2020

Covid-19 | Lei nº 13.989/2020 autoriza a prática da telemedicina

Foi publicada em 15 de abril de 2020 a Lei nº 13.989/2020 que autoriza o uso da telemedicina em todo o país enquanto perdurar a crise sanitária causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2. A medida tem como objetivo tornar os atendimentos médicos mais seguros e reduzir os índices de contágio, permitindo inclusive que os atendimentos não relacionados ao novo Coronavírus tenham curso normal mesmo no período de distanciamento social.

Modalidades da Telemedicina

A chamada “telemedicina” consiste na prestação de certos tipos de serviços de saúde à distância. Ainda que geralmente essa ideia seja associada ao atendimento médico ao paciente por modernos meios tecnológicos como videoconferência ou cirurgias robotizadas controladas à distância, a telemedicina inclui diversas possíveis aplicações de tecnologias de comunicação e informação para desenvolvimento de atividades relacionadas a serviços de saúde.

Considerando a ampla interpretação das definições de telemedicina as possíveis modalidades desse atendimento apresentam imenso potencial para o setor da saúde. A própria Lei nº 13.989, em seu artigo 3º apresenta uma definição ampla que inclui “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”, entre outros.

Desse modo, o termo pode incluir desde consultas feitas por videoconferência até troca de informações médicas entre instituições. Tomando como base a hoje revogada Resolução nº 2.227/2018 do Conselho Federal de Medicina, as modalidades já nomeadas incluem a teleconsulta, teleinterconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, teletriagem médica, telemonitoramento, teleconsultoria, e prescrição médica à distância. Essa listagem, entretanto, não afasta a possibilidade de outras modalidades de atendimento, sejam elas em tempo real ou não, dado o caráter aberto do rol da Lei nº 13.989/2020.

A regulamentação da Telemedicina no Brasil

A prestação de serviços de saúde à distância por meios digitais tem previsão desde 2002 em Resolução do Conselho Federal de Medicina, mas até pouco não havia sido regulamentada. Em 2018 o CFM editou a Resolução nº 2.227, que regulamentava a prática, abordando diversos aspectos dessa nova forma de prestação de serviços de saúde, como por exemplo requisitos mínimos de segurança, registros a serem mantidos dos atendimentos e até modalidades de cirurgia à distância.

A Resolução, entretanto, gerou grande debate entre associações de profissionais da saúde e foi objeto de diversas críticas. Dentre elas, as principais abordavam a obrigatoriedade da gravação dos atendimentos, que traria um grande risco ao sigilo médico-paciente, e falta de clareza quanto à responsabilidade do médico que realiza o atendimento a distância. Diante disso, o CFM veio a revogar a Resolução nº 2.227/2018 em fevereiro de 2019.

Nesse cenário, restava em vigor a Resolução do CFM de 2002, de aplicação prática reduzida em razão da ausência de regulamentação posterior. Com o início da crise de saúde pública ocasionada pelo surto de Covid-19, doença contagiosa com alto risco de transmissão por proximidade, o interesse pela telemedicina foi reacendido em diversos setores. O argumento para pressionar pela autorização da prática da telemedicina diz respeito à segurança dos próprios profissionais da saúde e de seus pacientes, evitando que sejam expostos à possibilidade de contágio durante os atendimentos médicos. Isso ocasionou o envio, pelo Conselho Federal de Medicina, de um ofício ao Ministério da Saúde defendendo e reconhecendo a necessidade e possibilidade de se autorizar a prática da telemedicina, ao menos enquanto durar a crise pela qual passamos.

Em resposta a tal ofício, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 467/2020, que veio a autorizar e regulamentar parcialmente a prática da telemedicina e das prescrições eletrônicas, mas restavam ainda dúvidas sobre a segurança jurídica de tal tipo de atendimento com base em mera Portaria e Resolução do CFM. Com a nova Lei, a autorização para uso da telemedicina ganha status de lei federal, conferindo maior segurança aos players do mercado da saúde para iniciar operações nesse campo.

A Lei 13.989 de 2020

Com o crescimento das discussões sobre telemedicina e percepção de seus benefícios em tempos de crise, grande parte do mercado aposta atualmente em um avanço que dificilmente será abandonado após o fim da crise, com a previsão de que a telemedicina e o uso de tecnologias de assistência em saúde à distância tenham vindo para ficar. Esse movimento segue outras áreas de serviços de saúde que já experimentam com o atendimento à distância há algum tempo, como é o caso da psicoterapia, em que o atendimento online é autorizado desde 2012 e hoje é regulamentado pela Resolução nº 11/2018 do Conselho Federal de Psicologia.

A Lei 13.989/2020 é bastante sintética em termos materiais. O artigo 4º da norma estabelece uma obrigação ao médico de informar o paciente sobre as limitações desse método de atendimento, tendo em vista especialmente a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta, obrigação que pode ser deduzida das próprias regras de ética médica mas cuja explicitação parece indicar preocupação com o paciente na qualidade de consumidor de serviços. Na mesma linha, o artigo 5º estabelece que o atendimento deverá seguir todas as demais normativas legais, éticas e administrativas aplicáveis ao atendimento presencial, esclarecendo ainda que será devida contraprestação financeira pelo serviço, nos mesmos moldes do atendimento tradicional.

Sem outras disposições, torna-se altamente necessária a correta interpretação das normativas geralmente aplicadas aos serviços de saúde em um contexto de inovação tecnológica, de modo a buscar padrões de segurança e transparência mínimos e representem a aplicação razoável das normas em vigor, trabalho delicado pela ausência de indicações claras e que deve se pautar em uma abordagem de risco, considerando tanto o médico quanto o paciente.

Cuidados na implementação da Telemedicina

Diante do cenário descrito, são necessários alguns cuidados na implantação de serviços de telemedicina. Dentre as principais preocupações que devem pautar um tal projeto, pode-se destacar:

1. A importância da manutenção do sigilo, integridade e disponibilidade das informações médicas relacionadas ao atendimento, considerando medidas mínimas de segurança da informação e sistemas razoavelmente seguros a serem adotados;

2. Controles adequados sobre a coleta e tratamento de dados pessoais de saúde, considerando a iminente entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018);

3. A transparência mínima necessária sobre o atendimento realizado, considerando tanto as informações a serem prestadas ao paciente quanto aos registros que devem ser mantidos pelo profissional de saúde;

4. O registro do consentimento informado do paciente, em formato compatível e seguro, de modo a possibilitar o atendimento remoto;

5. A adoção de formato ou sistema adequado para emissão de documentos eletrônicos, tais como laudos, atestados, e prescrições eletrônicas, necessários no curso do teleatendimento;

6. A consciência e, dentro do possível, limitação da responsabilidade médica em relação ao atendimento e aos meios tecnológicos empregados;

7. As limitações práticas e éticas ao atendimento conduzido de forma remota.

A transição de um modelo tradicional de atendimento para o atendimento intermediado pela tecnologia deve ser feita de forma cautelosa, de modo a evitar constrangimentos ao paciente e minimizar os riscos a todos os envolvidos.

Seguimos acompanhando o desenvolvimento dessa matéria, reportando seus desdobramentos.